domingo, 10 de fevereiro de 2008

Educação em Portugal – realidade ou pura utopia?

Objectivos como, promover um ensino de qualidade, que satisfaça as necessidades dos alunos em termos de preparação para o longo da sua vida e para a construção saudável da sua identidade, ou estabelecer as condições que os professores consideram imprescindíveis para a realização integral da sua função na sociedade, deixaram de constar como fundamentos do nosso sistema educativo e fazem agora parte de uma utopia outrora, designada de “educação”. É precisamente sobre essa dita utopia que me vou debruçar, assumindo na íntegra o meu papel de professora, qual Sancho Pança, que apesar de lhe serem anunciados gigantes, apenas consegue ver moinhos de vento. E é, infelizmente, a isso que se resume o ensino em Portugal: um moinho de vento (por mais que queira ostentar a aparência de um gigante consistente).

O sistema educativo português sofre, actualmente, de uma doença crónica – gravíssima, por sinal - que poderá trazer consequências graves aos alunos e que coloca o ensino em Portugal numa posição de descrédito interno e externo. Essa doença é o resultado incontornável de uma política que tende a considerar alunos, professores e demais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, como números, quando são de facto, seres humanos. Não adianta olhar apenas para números que, apesar de, por si só, indicarem uma taxa de insatisfação por parte dos intervenientes no processo educativo nunca antes vista em Portugal; analisemos antes o processo e os meios a ser utilizados neste momento, para podermos entender os resultados do vírus que está a ser instalado na nossa educação.

Nos dias que correm, após a revisão do estatuto do aluno, a autoridade do docente na sala de aula diminuiu consideravelmente, i.e., o professor deve ouvir todo o desaforo de um qualquer aluno, pode, inclusivamente ser agredido pelo mesmo, e deve permanecer impávido e sereno, sem ter meios para se defender. Esta situação verificou-se nos últimos meses em variadíssimas escolas, sem que tivesse sido posta em prática uma medida de prevenção e, que venha, de algum modo solucionar aquilo que me parece ser uma crise de autoridade na sala de aula. Assim sendo, a aula passa agora a ser liderada pelo grupo de cerca de 25 alunos (se a turma for de pequena dimensão) e o professor tem de assumir o papel de “coitadinho, cuja obrigação é apanhar pancada e ficar calado”! – uma perspectiva, no mínimo ridícula, mas é a isto que estamos sujeitos diariamente, principalmente os colegas que trabalham em cidades grandes e enfrentam problemas disciplinares gravíssimos por parte dos alunos. Será, então, de espantar, que os alunos manifestem, crescentemente, desrespeito pelos professores, inclusivamente quando chegam ao nível superior? Atrevo-me a perguntar ainda à Sra. Ministra: “Porque estará a insegurança a aumentar nas nossas escolas?” Deixo as respostas complicadas a estas questões difíceis ao cargo da mente aberta da pessoa capaz que está à frente do Ministério da Educação.

No entanto, desenganem-se aqueles que acham que, se analisarmos as recentes revisões ao estatuto do aluno, não há nada pior e mais grave a apontar. Consideremos, nomeadamente, o facto de ter sido incluída uma pequena alteração que promove meramente o facilitismo e a taxa de absentismo nas escolas portuguesas. De acordo com as alterações promovidas no Estatuto do Aluno, aqueles que apresentem elevada falta de assiduidade (entenda-se por isso “faltas justificadas” e “faltas injustificadas”) poderão continuar a faltar, ultrapassando o limite de faltas permitido, sendo que, para serem aprovados no final do ano, terão apenas de realizar um exame e obter nota positiva no mesmo. Esta pretende ser apenas mais uma máscara convincente para disfarçar a falta de qualidade do ensino em Portugal, tal como este é entendido pelo actual Ministério, bem como a taxa crescente de insucesso escolar. É de lamentar que a Educação em Portugal não viva neste momento de mais do que meras aparências e máscaras, que se esconda atrás do subterfúgio dos números e das estatísticas, quando, perdoem-me a ousadia, não deveria ser antes um FACTO, uma realidade?

Todavia, as alterações para a suposta promoção da qualidade do ensino em Portugal, não se ficam por aqui. Debrucemo-nos, então, sobre algumas das mais perturbantes alterações ao Estatuto da Carreira Docente que, segundo se prevê, irão motivar a mais grave crise da Educação em Portugal de que há memória. Foi aprovado recentemente que a dotação dos lugares da categoria de “professor titular” passará a corresponder a um terço do número total de lugares do quadro de escola não agrupada ou de agrupamento de escolas, medida que, a ser posta em prática, impossibilitará dois terços dos docentes de progredir na carreira. Obviamente, este é um factor de desmotivação para o docente que tem objectivos profissionais, podendo interferir, assim, na qualidade do ensino que o mesmo ministra.

Outro aspecto polémico que está previsto, e que é revelador de uma profunda falta de contacto com a realidade educativa portuguesa é o facto de se estar a considerar avaliar o desempenho do docente, de acordo com os resultados escolares dos alunos. Embora o actual ministério diga que vai ser tido em consideração o respectivo “contexto sócio-educativo”, esta medida é, de todo, absurda, pois pedagogicamente falando, deveria ser, antes de mais, avaliado, o processo, e só depois os resultados. Além de que, convenhamos, os alunos (peço desculpa pela repetição insistente) “NÃO SÃO NÚMEROS”!

De facto, concordo que seja feita uma avaliação ao docente, de modo a que este também se sinta motivado a investir na sua própria formação e a promover um bom trabalho no seio do meio escolar. A avaliação é imprescindível para manter um nível aceitável daqueles que ministram o ensino em Portugal, uma vez que é do domínio público que muitos dos professores em Portugal não demonstram competências pedagógicas, metodológicas ou sociais para desempenharem eficazmente a função de que foram incumbidos. Porém, a avaliação do docente deveria funcionar como um motor de motivação e não como algo inibidor em que os resultados dos alunos são considerados e todo o processo de aprendizagem dos mesmos é ignorado.

Além disso, não podemos ignorar que a Educação deve ser planeada de forma a poder preparar os alunos e torná-los aptos e capazes para uma formação contínua, ao longo de toda a vida, tal como previsto pelo “Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”, bem como garantir-lhes capacidades e competências para um enquadramento natural e adequado no mercado de trabalho nacional ou internacional. O que se verifica no Ensino Superior é, muitas vezes, um profundo desajuste entre as necessidades reais dos alunos em termos profissionais futuros e o material programático que é ministrado nas faculdades e universidades. Assim sendo, seria imprescindível e incontornável uma alteração de conteúdos programáticos nas nossas universidades, de modo a preparar de forma mais adequada os nossos jovens.

Acrescente-se a tudo isto, o problema dramático do desemprego de profissionais do sector educativo em Portugal, problema esse cujas medidas do actual governo até ao momento, se têm revelado ineficazes e insuficientes. Esta crise resulta, inevitavelmente, de uma falta de comunicação efectiva e eficaz entre o sistema educativo nacional e a realidade profissional que se vive no país.

Em jeito de conclusão, posso apenas constatar e levar o caro leitor a compreender que, este Governo, após a concretização de uma série de medidas desajustadas, desenquadradas da realidade do ensino em Portugal, conseguiu que a educação no nosso país, neste momento, não passe de um moinho de vento, liderado por um Dom Quixote, que sonha alto e não vê a realidade dos factos, limitando-se a ver o que lhe convém.

Vera Alexandra Parente


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