quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Mulheres ao Poder

Segue um texto da autoria da companheira Dulce Alves de Alcobaça.


"A revolução de 25 de Abril que se comemora esta semana, e a consequente aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976 (que este ano perfaz 30 anos) criaram as condições jurídico-políticas para que todas as portuguesas, sem excepção, obtivessem o pleno direito de votar e de serem eleitas para cargos políticos. Contudo, e volvidas mais de três décadas, a representação feminina no seio do mundo político permanece muito baixa, o que leva a crer que este princípio de igualdade formal consagrado constitucionalmente, não tem tido plena correspondência na realidade, pelo menos no que toca à vida política. Esta questão tem sido abordada ao longo dos tempos, mas voltou à ribalta nos últimos meses com o projecto de Lei da Paridade do PS e três diplomas do BE que foram aprovados a 30 de Março, o que significa que daqui em diante nas listas de candidatos – para as eleições parlamentares, autárquicas e para o Parlamento Europeu – terá de haver um terço explícito de mulheres, sendo rejeitadas as listas que não o cumprirem.
A denominada lei das “quotas” não é consensual, como seria de esperar. Os defensores deste mecanismo apregoam as maravilhas que ele teve ao ser adoptado em países nórdicos. (Mas na verdade, o que existe em países como a Noruega ou a Suécia é um acordo entre partidos, não uma lei de quotas. Já em França - e creio que também na Bélgica -, existe uma lei de quotas semelhante, mas o seu incumprimento resulta em multar os partidos, não em impedi-los de concorrer às eleições...)
E depois, há as vozes do ‘contra’, como o é a minha. Antes de mais, enquanto democrata, assusta-me o facto desta lei desprezar uma das regras basilares da democracia: a igualdade dos cidadãos face à lei e a sua não discriminação em função da raça, do sexo, da cor ou de qualquer outro critério. Nem a desigualdade da mulher no que respeita à vida política deve ser pretexto para abrir uma excepção ao princípio constitucional da igualdade perante a lei e da dignidade dos cidadãos homens ou mulheres. Até na Argentina (país terceiro mundista, saliente-se) esta imposição das quotas foi considerada inconstitucional pelo respectivo Tribunal.
Esta medida não passa, a meu ver, de um subterfúgio artificial que continua a subalternizar a mulher. Enquanto mulher (e enquanto jovem autarca) sentir-me-ei profundamente envergonhada se um dia vier a ocupar um lugar na política por causa de uma obrigação legal, decorrente da minha condição inimputável de “ser mulher”. Pairará sobre todas as mulheres que venham a ingressar no universo político, o anátema de terem sido eleitas à custa dos procedimentos legais e administrativos e não por mérito e capacidades pessoais. As mulheres passarão a estar na política apenas para cumprir quotas, apesar de constituírem mais de metade da população europeia e de se concluir que estão melhor preparadas academicamente (dois terços das portuguesas são licenciadas).
Os homens, esses, não conseguem perceber que a baixa representatividade feminina nos cargos políticos não se deve somente à desmotivação das mesmas pela coisa pública. Importa ter em conta o acesso ao espaço político: é inegável que a desigual partilha de responsabilidades entre homens e mulheres no foro doméstico, com prejuízo para elas, tende a ter como consequência a limitação das oportunidades das mulheres no espaço público. Enquanto assim for, não há quotas que nos valham... Porque não há Super Mulheres que consigam conciliar as tarefas familiares, profissionais e sociais com as tarefas políticas. Na maioria das vezes, ou abdicam de construir família e ficam-se pelo sonho da maternidade... ou abdicam de uma actividade cívico-política. E é acima de tudo por isso, que a representatividade da Mulher na vida política não tem evoluído.
Com as quotas, o cenário vai mudar quantitativamente... mas elas só servirão para colocar mais mulheres na política, apenas por isso, por serem mulheres e “apenas” mulheres.

Dulce Alves"

Sem comentários: